Cadernos Afro Memória – Vº2, Nº1 – Representação e representatividade política

Os Cadernos Afro Memória são uma publicação quadrimestral que aborda determinada trajetória ou temática presentes nos acervos da luta antirracista que o Projeto Afro Memória tem trabalhado para preservar e difundir. Alguns números serão focados na trajetória da pessoa/organização que a partir de suas atividades de militância acumulou o acervo, tendo também uma função de apresentação geral do acervo. Outros números visarão explorar de forma transversal como uma determinada temática importante para a memória da atuação política do movimento negro, como a representação política, a luta por ações afirmativas e denúncia da violência racial, está representada nos diferentes acervos.

2023 é o ano da reconstrução democrática. É esse o espírito que vejo na produção e publicação do  Segundo Caderno Afro Memória – Representação Política. Trata-se de uma contribuição rica que se soma a essa difícil empreitada de reconstruir uma nação com valores democráticos logo após um duro e tortuoso período marcado pela desdemocratização – marcada pelo desmonte das instituições de igualdade racial, pela fragilização de suas políticas públicas, pelo negacionismo histórico (inclusive da escravidão negra!), pelo autoritarismo e pela violação de direitos humanos – durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). A riqueza deste segundo caderno está tanto nos escritos do conjunto de pensadores e pensadoras que se unem para refletir sobre a questão racial e a sua relação estreita com a  democracia, como está também presente na riqueza dos materiais, documentos, informações, discursos e polêmicas que alimentaram (e ainda alimentam) o debate sobre inclusão, igualdade, diversidade e política no país de maior presença negra nas Américas.

Neste volume, temos um conjunto de intelectuais, professores e pesquisadores com diferentes níveis de formação que se reúnem nesta coletânea para trazer ao público reflexões concisas e densas sobre temas e documentos da memória da igualdade racial no Brasil, cobrindo quatro décadas de ativismo e ação coletiva de mulheres e homens negros que desafiaram o mito da democracia racial e imaginaram um Estado democrático de Direito, não apenas na forma, mas também em substância, isto é, na concretude do Estado, seja na forma de valores, regras e pactos de convivência da comunidade política brasileira. 

Cientes de que é preciso fazer justiça e promover o direito à memória afro-brasileira, as análises ora expostas indicam que longe de ser história acabada a produção intelectual, ativista e política dos movimentos negros, das organizações e dos políticos e  militantes antirracistas se fazem presentes de diferentes formas nos ciclos democráticos do país, como bem assegura o material aqui publicado. Tais formas expressam a dimensão coletiva e organizada da política de igualdade racial no país, seja pela via da sociedade civil, seja nas franjas do Estado, ou mesmo dentro das esferas do poder instituído. Toda essa movimentação é também uma luta por representação política, como condensa o título deste Segundo Caderno Afro Memória.

Por Flávia Rios (UFF e Afro CEBRAP)